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Nota da DNJPT Sobre Caso de Racismo Cometido no Âmbito da Caravana da JPT-DF


A Caravana da Juventude do PT-DF chegou em São Miguel do Oeste/SC no dia 13 de setembro, depois de passar por cidades de GO, MG e PR. A Caravana é composta por 10 integrantes (de várias etnias, credos e orientações sexuais), em sua maioria representantes da pasta de Políticas Públicas de Juventude do PT em cidades satélites do DF, que reservaram o mês de setembro para passar em vários municípios, firmando compromisso com os candidatos a prefeito(a) e vereador(a) com a Juventude, através da assinatura do Pacto pela Juventude, já que no DF o cidadão não tem direito de eleger o seu prefeito e o representante da cidade é indicado pelo Governador.

Na noite de sexta-feira (21), aconteceu a abertura da Festa das Etnias da cidade e os integrantes da Caravana que são negros foram convidados para fazer uma apresentação. Luís Henrique e o Luahn fizeram um stand-up chamado “Coisa de Preto”. Após uma semana na cidade, andando em uma van plotada com a logo da JPT, todos já nos reconheciam na rua. Movimentamos a campanha do candidato a prefeito nas redes sociais, que é o único prefeito ex assentado do país, e depois da apresentação dos meninos, ganhamos cortesias para o camarote do Show do Charlie Brown Jr, que aconteceria na mesma noite, com direito a conhecer a banda e tirar fotografias com eles no Hotel antes da apresentação. Inclusive a banda toda usava casacos e bonés com o número 13 estampado e brincaram bastante com o grupo, que estava adesivado com as melequinhas da Caravana e do PT com o número 13.

Logo depois, o grupo se encaminhou para o local do show e ao entrar na área VIP, uma parte do grupo foi para frente do palco e a outra, os negros, ficou no fundo, na parte mais afastada do palco. Neste momento um grupo de jovens da cidade (onde um deles é filho de uma candidata a vereadora pelo PSD, que é oposição na cidade, e tem uma produtora que é apoiadora da candidatura do adversário PMDB), começou a ironizar os meninos e um deles esbarrou no Luís Henrique, que levantou as mãos e disse que não estava lá para brigar e sim para curtir o show. Alguns segundos depois, um grupo de seguranças da empresa Patrimonial (cujo dono já foi candidato a vereador pelo PMDB e também é apoiadora do adversário), deu um choque no Luís Henrique que tinha acabado de abaixar as mãos. Ele virou e perguntou o que estava acontecendo e recebeu como resposta um questionamento: o que eles, PRETOS, estavam fazendo na área VIP? Ele mostrou que estava com a pulseirinha e levou novo choque com um questionamento de onde eles haviam roubado aquela pulseirinha. Outros seguranças se juntaram, num total de 8, e começaram a empurrar e bater nos meninos. Eles levantaram a mão novamente em sinal de rendição e disseram que não representavam perigo e que poderiam, mas não iriam oferecer resistência. Um segurança imediatamente deu uma gravata no Luahn, que é asmático. O Luís Henrique pediu para soltarem o Luahn, explicou que ele tinha asma e que era perigoso dar choque nele. Um dos seguranças imediatamente desferiu uma cacetada e choques, empurrando os meninos escada abaixo. Eles foram escorraçados da área VIP sob xingamentos de urubus, macacos, pretos safados e outras infinidades de ofensas.

Ao perceber a movimentação, Pedro, que é integrante da Caravana e é natural de São Miguel do Oeste, mas vive há quase 10 anos no DF, correu para socorrer os meninos, mas nesse momento o Luahn já estava desmaiado no chão. Ele foi até uns guardas da polícia militar que estavam no local, explicando o acontecido e exigindo que eles o acompanhassem para identificar os agressores. Os policiais se recusaram e quando o Pedro os chamou de preconceituosos e provincianos, ouviu voz de prisão por desacato à autoridade. Um outro policial veio intermediar a conversa e disse que se responsabilizaria pelo Pedro, orientando-o a abrir um boletim de ocorrência. Eles então aguardaram a chegada dos bombeiros para prestar os primeiros socorros ao Luahn, que ainda estava desmaiado. Depois seguiram para a Delegacia para prestar o depoimento e não foi possível fazer o exame de corpo delito, que só pode ser realizado na segunda-feira (24).

Em nenhum momento houve revide, nem contra ataque da parte dos meninos. O Luís Henrique inclusive trabalha em uma ONG que presta assistência a jovens em conflito com a lei e é lutador de Moi Tai há 15 anos, federado, poderia ter revidado, mas não revidou. O que aconteceu foi um MASSACRE, pelo simples motivo dos negros estarem na área VIP de um show, na área reservada para as elites. No Boletim de ocorrência ficou registrado como Injúria e Lesão Corporal Dolosa.

Juridicamente a injúria é crime contra a honra, que consiste em ofender alguém, proferindo contra a vítima palavras que atentam contra sua dignidade. A Lei entendeu que quando esta ofensa estiver relacionada com elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem, o crime de injúria merece uma punição mais grave, tornando-se qualificado, sendo prevista uma pena de um a três anos de reclusão. Mas o crime de injúria qualificada pelo preconceito é diferente do delito de racismo, previsto na Lei nº 7.716/89.  Enquanto na injúria preconceito é atribuída qualidade negativa à vítima, no racismo, a vítima é segregada do convívio social em razão de sua cor, raça etc. O crime de injúria preconceito é prescritível, afiançável e de ação penal pública condicionada (Lei nº 12.033/09). Já o racismo é imprescritível, inafiançável e de ação penal pública incondicionada.

Isto colocado, entendemos que o que aconteceu não foi injúria apenas, como pode ser evidenciado na diferenciação entre os crimes de Injúria Racial e Racismo. Apesar de todos os xingamentos recebidos, os meninos foram vítimas de RACISMO. Foram agredidos verbal, moral e fisicamente. Eles foram privados do direito de ir e vir. Foram vítimas de um crime que ronda o Brasil e se evidenciou nos golpes desferidos por causa da cor da pele em uma noite que era para ser de festa. E se o asmático tivesse tido um colapso com os choques, teria sido apenas mais um negro para as estatísticas. Já estávamos identificados na cidade e acreditamos que foi crime de racismo sim, mas também teve como agravante sermos do Partido dos Trabalhadores. Houve o preconceito pelos meninos estarem adesivados com a melequinha do PT e infelizmente ainda sofremos preconceito por levantar nossa bandeira. Mas principalmente, houve racismo. E o racismo é desumano e viola os direitos, impede a efetivação da cidadania e propaga a violência simbólica e física na vida das vítimas. No Brasil, de modo velado ou explícito, a aparência do negro sempre foi um fator de discriminação. Deveria haver uma punição mais severa àquele que pratica delito motivado em preconceito de raça, ainda que com uma mera ofensa, considerando os preceitos da nossa Constituição que, no seu art. 3º, determina que é objetivo do Estado “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Enquanto estamos cabisbaixos, ainda estarrecidos com a violência praticada, e esbarramos por eles andando pela cidade, disfarçam e desviam o caminho, na certeza do esquecimento e da impunidade.

Esta nota, além de narrar o acontecimento dos fatos, tem o intuito de ser um protesto, para que os meninos da Caravana não sejam apenas mais uns jovens negros vítimas da violência, já que o Brasil detém um dos maiores índices de mortes violentas entre a população jovem, sendo os negros e pardos as principais vítimas. Sabemos que há no Brasil o genocídio da Juventude negra e estudos divulgados pela ONU atestam que 70% dos jovens com idade entre 15 e 24 anos, vítimas de homicídio no Brasil, são jovens negros. São mortes evitáveis, embasadas no preconceito, no racismo. Mortes que viram estatísticas e que na maioria das vezes não vai para o jornal. O número não dói quando não é um amigo, um companheiro que você conhece. É um desconhecido que cai no senso comum de que é um bandido e bandido bom é bandido morto.

“A ideologia racista inculcada nas pessoas e nas instituições leva à reprodução, na sucessão das gerações e ao longo do ciclo da vida individual, do confinamento dos negros aos escalões inferiores da estrutura social, por intermédio de discriminação de ordens distintas, explícitas, veladas ou institucionais, que são acumuladas em desvantagens”. (Rafael Guerreiro, IPEA). Que nada mais é do que a institucionalização da violência racial há séculos.

Em pleno século XXI, onde oficialmente já faz 120 anos que ocorreu a Abolição, onde os direitos do cidadão constam na Constituição há mais de duas décadas, onde a Carta da Declaração Universal dos Direitos Humanos já tem mais de meio século, ainda se vê muitos brasileiros(as) negros(as) sendo diariamente vitimados pela violência, pelo preconceito e pelo racismo. Mas infelizmente este fato pode não provocar mais reação de indignação na sociedade, tampouco nas organizações de direitos humanos, porque todos evitam tocar na questão racial e até mesmo o Estado, que deveria ser imparcial no trato com o cidadão, mostra sua face racista, quando é seletivo na abordagem nas ruas e tem sempre o mesmo alvo: o negro. Os únicos expulsos do camarote foram os negros. Os únicos que levaram socos, cacetadas e choques foram os negros.
  
A Caravana ainda está muito abalada com tudo o que aconteceu. Nunca tínhamos vivenciado tão de perto uma situação de terror como esta, violência gratuita e banal. Mas Deus permitiu que nada de mais grave acontecesse e agora vamos nos preparar para lutar contra esta discriminação vil e cruel que vitima tantos(as) jovens negros(as) no Brasil e que poderia ter vitimado um dos nossos. Da luta não nos retiramos. Diante disso tudo, declaramos todo nosso repúdio à empresa Patrimonial, que fez a segurança do show e cometeu esta barbárie. Por isso declaramos que daremos continuidade ao processo criminal e esta empresa irá se responsabilizar pelo ato dos seus funcionários, tão despreparados. Não adianta mais denunciar o racismo apenas nas letras das músicas, nos poemas, nos grafites, nas redes sociais. Os racistas tem que responder criminalmente por seus atos.

Gostaria de registrar que desde a realização do exame de corpo delito, estamos sendo procurados por representantes da empresa, que nos pedem a retirada do B.O., alegando que tudo não passou de um mal entendido e gostariam de tentar chegar a um acordo. Eles alegam inclusive que se não for retirada a ocorrência, será muito complicado para o atual prefeito, que concorre à reeleição, já que nunca houve um fato desses na cidade e isso prejudica a atual gestão, que é do PT, que vai assumir a fatura. Eles inclusive disseram que se continuarmos com isso, o nosso candidato vai perder votos. Mas nós gravamos a última conversa com uma dessas pessoas, que sem saber que estava sendo gravado admite as agressões, os choques (ele alega inclusive que teve que dar a cacetada no Luahn porque era mais fácil fazê-lo descer as escadas desmaiado do que se debatendo) e esta ameaça política, mas acreditamos que com o apoio dos nossos companheiros nos manteremos firmes e afirmamos que não conseguirão nos calar ou nos intimidar. Agradecemos todo o apoio que recebemos.

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